quarta-feira, 7 de maio de 2014

Caracteristicas da poesia de Fernando Pessoa ortónimo

Características Temáticas
. Identidade perdida
. Consciência do absurdo da existência
. Tensão sinceridade/fingimento, consciência/inconsciência, sonho/realidade
. Oposição sentir/pensar, pensamento/vontade, esperança/desilusão
. Anti-sentimentalismo: intelectualização da emoção
. Estados negativos: solidão, cepticismo, tédio, angústia, cansaço, desespero, frustração.
. Inquietação metafísica, dor de viver
. Auto-análise

  Características Estilísticas
. Musicalidade: aliterações, transportes, ritmo, rimas, tom nasal (que conotam o prolongamento da dor e do sofrimento)
. Verso geralmente curto (2 a 7 sílabas métricas)
. Predomínio da quadra e da quintilha (utilização de elementos formais tradicionais)
. Adjectivação expressiva
. Linguagem simples mas muito expressiva (cheia de significados escondidos)
. Pontuação emotiva
. Comparações, metáforas originais, oxímoros (vários paradoxos – pôr lado a lado duas realidades completamente opostas)
. Uso de símbolos (por vezes tradicionais, como o rio, a água, o mar, a brisa, a fonte, as rosas, o azul; ou modernos, como o andaime ou o cais)
. É fiel à tradição poética “lusitana” e não longe, muitas vezes, da quadra popular.
. Utilização de vários tempos verbais, cada um com o seu significado expressivo consoante a situação.

Poemas:
"O amor quando se revela"

O amor, quando se revela,
não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente.
Cala: parece esquecer.

Ah, mas se ela adivinhasse,
se pudesse ouvir o olhar, 
e se um olhar lhe bastasse
pra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
quem quer dizer quanto sente
fica sem alma nem fala,
fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe 
o que não lhe ouso contar,
já não terei que falar-lhe
porque lhe estou a falar... 


Análise:

  •  Vejamos como é curiosa a maneira como Pessoa olha para o amor. Em vez de elogiar o amor, Pessoa fica perturbado pela maneira como o amor se revela em si mesmo. É a incapacidade de sentir, ou de pelo menos de transmitir, de comunicar o sentimento, que é o verdadeiro tema deste poema, e não o amor, o sentimento.
  •  Não sabemos até que ponto a interpretação de Pessoa pode ser uma interpretação Universal do amor. Pensamos que não é, que é uma interpretação tão íntima que muito nos diz da maneira como o poeta sentia as coisas e nada mais do que isso. Por isso mesmo quando ele diz "Fala: parece que mente / Cala: parece esquecer" Pessoa fala do seu ponto de vista particular. É ele que parece não ser sincero quando tenta ser sincero - é a sua dor interna que impede a sua sinceridade, a sua ligação sincera a um outro ser humano.
  •  Pessoa disse que o amor é a altura em que nos confrontamos com a existência real dos outros - e esta é uma frase determinante para entendermos este poema. Uma frase dramática, mas determinante.
  •  É a presença sufocante do outro que impede o poeta de falar o que sente. Por isso ele nos diz que "quem sente muito, cala; / Quem quer dizer quanto sente / Fica sem alma nem fala, / Fica só, inteiramente!".
  •  O seu desejo maior seria que o seu amor ouvisse este poema mas sem o ouvir, que adivinhasse no seu olhar o sentimento, sem que houvesse necessidade de falar. Há aqui também um pouco de medo de que o ideal decaia quando se torna real, mas essencialmente o medo é de ser humano, o medo é medo de ligação com o outro, a perda de controlo do "eu" em favor do "outro".
  •  Se de alguma coisa este poema fala, não é então de amor, mas antes do que o amor pede, em termos de sacrifícios para o "eu". O amor pede o máximo sacrifício, que é a perda da individualidade máxima, a perda do egocentrismo, do culto da personalidade própria: a perda do controlo sobre a realidade, em favor do caos alheio.

 O poema tem a seguinte estrutura:
3 quadras e uma oitava, sendo que a divisão lógica do mesmo, quanto a mim será a seguinte:
as duas primeiras quadras introduzem o tema do poema, que de certo modo é a incapacidade de amar a oitava desenvolve o tema, de modo dramático, sendo que o sujeito poético desenrola para si mesmo o drama que decorre dentro de si - o amor por ela - e a maneira como esse drama o perturba. Ele sente intensamente a dor que é não conseguir falar desse amor a ela, não conseguir revelar o amor publicamente. a quadra final serve de conclusão. Uma conclusão indefinida, porque o sujeito poético deseja que o seu amor o ouça sem que ele tenha de falar, mas mesmo assim uma conclusão.


 Quanto aos recursos estilísticos:
Há grande uso de antíteses, para evidenciar a oposição entre sentir o amor e conseguir falar dele à pessoa amada. Há uso de anáfora (repetição de "fica" no início de alguns versos seguidos) Versos 7 e 8, com troca da ordem das palavras. "Ouvir o olhar": trata-se de uma invulgar figura de estilo chamada sinestesia.
Mas se tivesse de destacar o uso de um recurso, seria obviamente a antítese o mais marcante neste poema.

"Entre o sono e sonho"
Entre o sono e sonho, 
Entre mim e o que em mim 
É o quem eu me suponho 
Corre um rio sem fim. 

Passou por outras margens, 
Diversas mais além, 
Naquelas várias viagens 
Que todo o rio tem. 

Chegou onde hoje habito 
A casa que hoje sou. 
Passa, se eu me medito; 
Se desperto, passou. 

E quem me sinto e morre 
No que me liga a mim 
Dorme onde o rio corre — 
Esse rio sem fim. 

Análise:

Analisemos mais em pormenor cada estrofe:

  •  "Entre o sono e sonho, / Entre mim e o que em mim / É o quem eu me suponho / Corre um rio sem fim." - Ou seja, entre o "sono" (a vida) e o "sonho" (a vida ideal, sonhada), entre o "mim" (agora) e o "em mim" (o futuro desejado, suposto), "corre um rio sem fim". Esse "rio sem fim" é uma divisória, uma barreira, que divida o hoje do futuro sonhado e é impossível de atravessar.

  •  "Passou por outras margens, / Diversas mais além, / Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem" - O rio, parece ter, por outro lado vida própria, tem a sua própria vontade e a sua própria experiência. O rio é o "Destino". É afinal o destino que se opõe a Pessoa, que o faz sofrer no caminho que é actualmente o seu. Pessoa escolhe a imagem de um rio, porque como um rio, o destino é uma sucessão de eventos, um curso de eventos, contínuo, sem fim.

  •  "Chegou onde hoje habito / A casa que hoje sou. / Passa, se eu me medito; / 
Se desperto, passou." - O rio chegou à vida actual de Pessoa. A casa simboliza o seu "eu todo", a totalidade de quem ele é. Mas o destino é ilusório - se Pessoa medita sobre ele, ele passa e impede-o de o enfrentar. Mas se Pessoa desperta do seu pensamento, o Destino já passou, e não é possível regressar a ele. Esta impossibilidade marca de maneira decisiva a mente de qualquer pensador - que tenta lutar contra os obstáculos da vida. Se pensa sobre eles, vê que não pode ultrapassar, mas se os ignora, eles passam por ele sem que ele dê sequer por isso. Qualquer das realidades é infrutífera e angustiante.

  •  "E quem me sinto e morre / No que me liga a mim / Dorme onde o rio corre — / Esse rio sem fim." 
Pessoa conclui o poema. Reflecte sobre o seu estado actual, o seu "eu presente", o seu que não se supunha. E esse eu "dorme onde o rio corre". Ou seja, ele está dominado pelo Destino, está dentro do rio destino, imerso nele e preso nos seus movimentos de água. Para terminar a sensação de perda e prisão, Pessoa acrescenta à descrição dizendo que é um "rio sem fim". Um rio eterno, que prende e controla, que domina e limita - eis a descrição final do Destino e de como este domina os homens e as suas vidas, impedindo afinal que eles sejam como se supõem, como se ousam sonhar. 

  •  Mas a ousadia é demasiada e a força diminuta. O homem falha no seu sonho e tem de ser dar por vencido pelo destino, nas horas finais da sua vida amargurada.

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