Características Temáticas
.
Identidade perdida
.
Consciência do absurdo da existência
. Tensão
sinceridade/fingimento, consciência/inconsciência, sonho/realidade
. Oposição
sentir/pensar, pensamento/vontade, esperança/desilusão
.
Anti-sentimentalismo: intelectualização da emoção
. Estados
negativos: solidão, cepticismo, tédio, angústia, cansaço, desespero,
frustração.
.
Inquietação metafísica, dor de viver
.
Auto-análise
Características Estilísticas
.
Musicalidade: aliterações, transportes, ritmo, rimas, tom nasal (que conotam o
prolongamento da dor e do sofrimento)
. Verso
geralmente curto (2 a 7 sílabas métricas)
.
Predomínio da quadra e da quintilha (utilização de elementos formais
tradicionais)
.
Adjectivação expressiva
.
Linguagem simples mas muito expressiva (cheia de significados
escondidos)
.
Pontuação emotiva
.
Comparações, metáforas originais, oxímoros (vários paradoxos – pôr lado a lado
duas realidades completamente opostas)
. Uso de
símbolos (por vezes tradicionais, como o rio, a água, o mar, a brisa, a fonte,
as rosas, o azul; ou modernos, como o andaime ou o cais)
. É fiel à
tradição poética “lusitana” e não longe, muitas vezes, da quadra
popular.
.
Utilização de vários tempos verbais, cada um com o seu significado expressivo
consoante a situação.
Poemas:
"O amor quando se revela"
O amor, quando se revela,
não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente.
Cala: parece esquecer.
Ah, mas se ela adivinhasse,
se pudesse ouvir o olhar,
e se um olhar lhe bastasse
pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
quem quer dizer quanto sente
fica sem alma nem fala,
fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
o que não lhe ouso contar,
já não terei que falar-lhe
porque lhe estou a falar...
Análise:
- Vejamos como é curiosa a maneira como Pessoa olha para o amor. Em vez de elogiar o amor, Pessoa fica perturbado pela maneira como o amor se revela em si mesmo. É a incapacidade de sentir, ou de pelo menos de transmitir, de comunicar o sentimento, que é o verdadeiro tema deste poema, e não o amor, o sentimento.
- Não sabemos até que ponto a interpretação de Pessoa pode ser uma interpretação Universal do amor. Pensamos que não é, que é uma interpretação tão íntima que muito nos diz da maneira como o poeta sentia as coisas e nada mais do que isso. Por isso mesmo quando ele diz "Fala: parece que mente / Cala: parece esquecer" Pessoa fala do seu ponto de vista particular. É ele que parece não ser sincero quando tenta ser sincero - é a sua dor interna que impede a sua sinceridade, a sua ligação sincera a um outro ser humano.
- Pessoa disse que o amor é a altura em que nos confrontamos com a existência real dos outros - e esta é uma frase determinante para entendermos este poema. Uma frase dramática, mas determinante.
- É a presença sufocante do outro que impede o poeta de falar o que sente. Por isso ele nos diz que "quem sente muito, cala; / Quem quer dizer quanto sente / Fica sem alma nem fala, / Fica só, inteiramente!".
- O seu desejo maior seria que o seu amor ouvisse este poema mas sem o ouvir, que adivinhasse no seu olhar o sentimento, sem que houvesse necessidade de falar. Há aqui também um pouco de medo de que o ideal decaia quando se torna real, mas essencialmente o medo é de ser humano, o medo é medo de ligação com o outro, a perda de controlo do "eu" em favor do "outro".
- Se de alguma coisa este poema fala, não é então de amor, mas antes do que o amor pede, em termos de sacrifícios para o "eu". O amor pede o máximo sacrifício, que é a perda da individualidade máxima, a perda do egocentrismo, do culto da personalidade própria: a perda do controlo sobre a realidade, em favor do caos alheio.
O poema tem a seguinte estrutura:
3 quadras e uma oitava, sendo que a divisão lógica do mesmo, quanto a mim será a seguinte:
as duas primeiras quadras introduzem o tema do poema, que de certo modo é a incapacidade de amar a oitava desenvolve o tema, de modo dramático, sendo que o sujeito poético desenrola para si mesmo o drama que decorre dentro de si - o amor por ela - e a maneira como esse drama o perturba. Ele sente intensamente a dor que é não conseguir falar desse amor a ela, não conseguir revelar o amor publicamente. a quadra final serve de conclusão. Uma conclusão indefinida, porque o sujeito poético deseja que o seu amor o ouça sem que ele tenha de falar, mas mesmo assim uma conclusão.
Quanto aos recursos estilísticos:
Há grande uso de antíteses, para evidenciar a oposição entre sentir o amor e conseguir falar dele à pessoa amada. Há uso de anáfora (repetição de "fica" no início de alguns versos seguidos) Versos 7 e 8, com troca da ordem das palavras. "Ouvir o olhar": trata-se de uma invulgar figura de estilo chamada sinestesia.
Mas se tivesse de destacar o uso de um recurso, seria obviamente a antítese o mais marcante neste poema.
"Entre o sono e sonho"
Entre o sono e sonho,
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.
Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.
Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.
E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre —
Esse rio sem fim.
Análise:
Analisemos mais em pormenor cada estrofe:
- "Entre o sono e sonho, / Entre mim e o que em mim / É o quem eu me suponho / Corre um rio sem fim." - Ou seja, entre o "sono" (a vida) e o "sonho" (a vida ideal, sonhada), entre o "mim" (agora) e o "em mim" (o futuro desejado, suposto), "corre um rio sem fim". Esse "rio sem fim" é uma divisória, uma barreira, que divida o hoje do futuro sonhado e é impossível de atravessar.
- "Passou por outras margens, / Diversas mais além, / Naquelas várias viagens
- "Chegou onde hoje habito / A casa que hoje sou. / Passa, se eu me medito; /
- "E quem me sinto e morre / No que me liga a mim / Dorme onde o rio corre — / Esse rio sem fim."
- Mas a ousadia é demasiada e a força diminuta. O homem falha no seu sonho e tem de ser dar por vencido pelo destino, nas horas finais da sua vida amargurada.
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